sexta-feira, 12 de outubro de 2012

As Sete Respostas de Shiva - Parte II



No dia seguinte, Ravi e Sitara pegaram o pano que Skanda segurou e começaram a fazer as roupas para seu filho.


Com o tempo, a barriga de Sitara foi crescendo e a cidade se alegrou, pois o bondoso casal tinha sido abençoado com o tão esperado bebê.

 

Próximo ao nascimento, eles conversaram sobre qual deveria ser o nome da criança.


Ravi propunha que fosse Manish Gana Mahesh.

Sitara sugeria que o nome de Ravi também fizesse parte do nome do filho.

 

Eles entraram em acordo e esse foi o nome do menino:


Manish (mente equilibrada)

Ravi

Gana (os celestes em homenagem aos filhos de Shiva que os visitaram)

Mahesh (Um dos nomes de Shiva)


No dia 10 do mês Agrahayana[1]·, Ravi estava trabalhando sozinho na loja de tecidos, pois Sitara havia ficado deitada por sentir-se indisposta.

 

Por volta das 10 horas da manhã, três homens entraram na loja.

 

Ravi notou que esses homens eram diferentes.


Um deles tinha aparência de um Senhor de sessenta anos, com um corpo forte, longos cabelos e barba branca, uma bela túnica feita de seda amarela com bordados.


Os outros dois pareciam ter a mesma idade e pareciam gêmeos.


Ambos tinham cabelos compridos e negros e usavam grandes malas (cordão de contas) no pescoço.

 

A única coisa que os diferenciavam era a roupa.

Um deles usava uma túnica esverdeada.

Outro, apenas uma espécie de saiote.


Eles entraram e com um sinal de mãos cumprimentaram Ravi, depois, foram olhar os tecidos e conversar entre si.    


Ravi sentiu uma grande paz com os visitantes e concluiu que eles eram brâmanes.

Com isto, os deixou á vontade dentro da loja e ficou apenas ouvindo a conversa deles.

 

O homem mais velho fez uma pergunta ao homem de túnica esverdeada:

- Meu sábio irmão, me diga: é possível um homem que tenha um carma ruim livrar-se desse carma sem ter de pagá-lo?

 

O homem de túnica esverdeada olhou para cima e respondeu:

- Tudo se manifesta na criação pela benevolência de Brahman. 


Dos Asuras[2] aos Devas[3], tudo contém dentro de si o princípio único e Divino do Grande Criador, portanto, se o homem com muita dedicação e coragem fizer com que os polos negativos e positivos dentro de si igualarem, atingirá o Moksha[4], e se torna uno com Brahman.


Com isso, se libertará da ilusão do bem e do mal.

 

O homem mais velho sorriu com a resposta e olhou para o terceiro homem.

 

 Nesse momento, ambos perguntaram ao terceiro homem, a seguinte questão:

- E você, meu nobre irmão?

Acha que é possível um homem de carma ruim, fazer desse carma, um carma bom?

 

 O terceiro sábio olhou para os dois e disse:

- Irmãos, porque me perguntam algo que já sabem a resposta?

 Bem sabeis o que direi, mas responderei por respeito a vocês...

 

- É muito difícil um homem atingir o Moksha, mais difícil ainda é ele entender além das Mayas da vida humana.

Mas, aquele que com sincero arrependimento e vontade verdadeira quiser corrigir seus erros, poderá sem dúvidas, através do exercício do amor á todas as coisas de Brahman e dedicação á Obra Divina, chegar a um estagio tão grandes de pureza que seus erros sejam compensados pela bondade em seu coração...

 

E continuou:

- Mesmo sem atingir o Moksha ele se libertará de seus erros e abrirá espaço para uma nova vida, onde poderá de fato atingir o verdadeiro e real Moksha.

 

E prosseguiu. Agora irmãos, é minha vez de perguntar:

- Qual a diferença entre adoração cega e respeito aos Devas?

 

O mais velho logo respondeu:

- As adorações partem de princípios errados. Um homem adora um Deva por querer favores.

- Uma mulher adora um Deva por medo.

- Uma criança adora um Deva porque foi-lhe imposto desde cedo.

- O Senhor adora um Deva porque não sabe fazer outra coisa.

- Já um sábio, ao invés de adorar um Deva, o respeita, o ama e entende que os Devas são irmãos em Brahman e está zelando diariamente pela evolução de todos...

 

E continuou:

- Quem adora... dificilmente respeita, mas, quem respeita, ao contrário de adorar, valoriza seus Divinos Auxiliadores...

 

O homem de túnica esverdeada tomou a palavra e disse:

- Toda adoração parte de um ato interno de ignorância, seja uma adoração que no fundo é feita para se obter favores ou uma adoração instigada pelo medo de não agradar os Devas.


No geral, se adora porque não se tem capacidade de viver uma vida plena sem ajuda.  Por total falta de conhecimento, os seres humanos fazem dos Devas suas bengalas de vida...


- Depois, se os Devas não fazem o que eles querem, são vistos como “maus” ou “não existem”. Para grande maioria dos seres, um Deva só serve se der o que eles querem, mas, como sabemos, os Devas fazem o melhor para todos e jamais servem ás vontades egoístas de cada ser...


O mais velho olhou para Ravi e sorriu.

 

Ravi nesse momento sentiu-se invadido por uma compreensão tão grande que seus olhos encheram-se de lágrimas...

Mas, não de tristeza...

Ele percebera que estava diante de seres de sabedoria sem limites, mas ficou calado, pois sabia que o homem que fez essa segunda pergunta ainda ia falar.


Ele estava certo.

 

O sábio que fez a pergunta, disse:

- Irmãos, ambas as respostas estão carregadas de sabedoria, mas lhe faltam alguns detalhes de grande importância que vou expor agora...


- Seja aqui em nossa Terra ou em qualquer parte do mundo, os Devas vem e vão em forma de avataras[5]e ensinam que todos são iguais e irmãos em Brahman.

 

- Em forma sacrifical mostram que o amor é a chave para tudo, mas são destratados e condenados... E pior... Depois que voltam ao mundo dos Devas, seus discípulos humanos fazem da sabedoria que aprenderam com o avatara, mais uma forma de separar os seres...

 

- Os ensinamentos viram dogmas[6] e a sabedoria vira grilhões de escravidão mental, mas os Devas em sua suprema benevolência continuam a descer á Terra para tentar mudar as coisas.

 

- Muitos sábios do passado perguntaram-se porque os Devas não obrigam a humanidade a ser sábia e melhorar-se, mas a resposta sempre foi óbvia.

 

Os Devas jamais obrigaram as pessoas a nada.


Muito pelo contrário...


Por verem os humanos como filhos e crianças, eles dão liberdade para que cada um escolha entre o bem e o mal mesmo que isso os faça sofrer como Devas ou como avataras em Terra”.

 

Mas, essa conversa deve acabar, afinal, não foi para isso que viemos a essa loja.

 

Ao falar isso, o homem sentou-se no chão com as pernas cruzadas como yogi[7], e os outros dois fizeram o mesmo, permanecendo calados. 


Ravi aguardou para ver se alguém falaria algo, mas ninguém falou mais nada.

 

Ravi aproximou-se deles e disse:

- Os brâmanes[8] precisam de algo?

 

O mais velho falou:

- Ravi, meu filho... Traga sua esposa Sitara até nós... Estamos aqui para abençoar ela e seu filho...

 

Ravi foi pego de surpresa.

 

Como aqueles homens que ele nunca vira na cidade ou em qualquer lugar,

sabiam seu nome e o nome de Sitara?


Como sabiam que ela estava grávida?

 

 O homem de túnica esverdeada falou:

- Somos Trimúrti, a tripla manifestação de Brahman.

- Eu sou Vishnu, 

o mais velho de nós é Brahma

e o irmão sem camisa é seu amado mestre Shiva...

 

Ravi caiu ao chão e prostrou-se diante deles.

 

Shiva então disse:

- Levante Ravi... Nunca abaixe-se diante de nós... Seu coração é puro e merecedor de nossa visita. Agora vá e busque Sitara...

 

Ravi foi até a casa e chamou Sitara, mas não disse nada...


Ele e Sitara, ao entrar na loja, viram os três grandes Devas emitir energias de seus corpos.


Sitara ficou muito feliz, era a segunda vez em sua vida que podia estar junto a seus amados e divinos mestres.

 

Ela fez o sinal de que se prostraria, mas Brahma falou:

- Sitara, como seu marido, seu coração é puro... Não se abaixe... Estamos aqui para dar as três bênçãos a seu filho que virá ao mundo...

 

Brahma foi em direção a Sitara, colocou a mão sobre sua barriga e disse:

- A você, criança, dou o corpo para andar e evoluir como nosso filho...

 

 Depois, veio Vishnu e disse:

 - A você, criança, dou a alma, para que lhe sustente em sua jornada de evolução...

 

Por fim, Shiva colocou a mão na barriga de Sitara e falou:

- Criança, fruto do amor de dois seres de coração puro... A você, dou o espírito e a mente para que possas evoluir e tornar-se uno com nosso pai Brahman...

- Que sua vida seja uma lição a todos os homens...

 

Os três Devas abraçaram Ravi e Sitara, despediram-se e sumiram no ar...

 

Sete dias após a visita dos grandes Devas, Sitara entrou em trabalho de parto.


Exatamente ao meio dia do dia 17 do Agrahayana,


Manish Ravi Gana Mahesh

Nasceu...

 

Foi o dia mais feliz na vida do casal que tanto se amava...





[1] Equivalente ao mês de dezembro
[2] Inicialmente eles são considerados seres poderosos regentes dos princípios morais
[3] Devas são divindades regentes da natureza
[4] Libertação do ciclo do renascimento e da morte e das prisões carmaticas.
[5]Avatara, ou a encarnação da Divindade, descende do reinado divino pela criação e manutenção da manifestação em um corpo material.
[6]Dogma é uma crença estabelecida ou doutrina de uma religião, ideologia ou qualquer tipo de organização, considerado um ponto fundamental e indiscutível de uma crença.
[7] Um yogi ou yogin (em Sânscrito: yogini é uma forma feminina para o termo) é um termo que caracteriza os praticantes de yoga
[8] O termo brâmane deriva do latim brachmani (ou bragmani), que, por sua vez, provém do grego brâmanes, adaptação do termo sânscrito védico brāhmaa, que significa “aquele que é versado no conhecimento de Brahman - a alma cósmica”.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

As Sete Respostas de Shiva - Parte I


Há muito tempo atrás, na sagrada cidade de Varanasi, que hoje fica na atual Índia, havia um casal de comerciantes que era amado e respeitado por todos.

Ravi e Sitara eram ótimos seres e demonstravam grande evolução espiritual, eram exemplo de amor, trabalho e devoção.

Como a grande maioria da população de Varanasi, Ravi e Sitara eram devotos do Senhor Shiva.

 Eles amavam tanto essa deidade que a população via neles o espírito do grande ser se manifestando...

Varanasi era uma cidade que havia sido fundada pessoalmente pelo Senhor Shiva e isso fazia dela uma cidade sagrada, onde a maioria da população era devota de seu fundador.

Apesar disso, o culto a outros deuses era livre e a segunda fé mais praticada naquele lugar era a dos Vishnuístas.

Ravi e Sitara trabalhavam muito em sua loja de tecidos.
Tamanha era sua dedicação que eles sempre prosperavam.
A população via isso como “A graça de Shiva” os cobrindo.

No geral, nenhum cidadão da cidade os invejava, pois eles sempre ajudavam todos que os procurassem. Muitas vezes o dinheiro que ganhavam nas vendas terminava antes de findar o mês, pois eles gastavam tudo para ajudar outras pessoas.

Havia algo que feria o coração deles.

Eles já tinham quase meia idade e ainda não tinham um filho. Ambos se amavam tanto que jamais comentavam sobre esse assunto, mas ás vezes era possível vê-los observando os filhos dos amigos e soltando breves lágrimas.

Ravi aceitava a situação, mesmo que isso o machucasse. Já Sitara, ia todos os dias ao templo de Shiva pedir que o grande Deva a ajudasse a poder ter um filho.
Suas súplicas diárias eram fervorosas e cheias de esperança...

O tempo passava e suas súplicas não surtiam efeito...

Um dia, Sitara foi ao templo e fez a mais linda oração que alguém poderia fazer:

“Maha Deva, Senhor de Todas as coisas... Possa eu ser mãe nessa vida do filho do homem mais doce e bondoso desse mundo... Se meus méritos não forem suficientes para que seja atendido meu pedido, olhe os méritos de meu amado marido que é um servo fiel do Senhor... Se mesmo assim o Senhor não nos achar dignos de Vossa Bênção, que seja feita a Vossa Vontade...”.


No mesmo dia, Ravi também foi ao templo e fez a única súplica que seu coração lhe dizia fazer:

“Meu amado pai Shiva, já sou um homem velho. Bem mais velho que minha amada Sitara. O tempo para mim é curto, mas ela viverá muito mais que eu... Oh, senhor... permita que nosso amor dê ao menos um fruto sagrado que a possa proteger quando esse seu servo se for... Não quero nada nesse mundo além do bem estar e a felicidade de minha amada Sitara... Que seja feita a Vossa Vontade...”.

Na tarde desse mesmo dia, ambos trabalhavam quando se olharam. Todo amor que tinham um pelo outro pôde ser sentido na loja, ruas e por todos que estavam próximos.

Á noite do mesmo dia, estavam dormindo abraçados quando ouviram trovões e luzes vindas do lado de fora da casa. Então, foram ver o que era...

Ao sair, seus corações encheram-se de alegria. Á frente de sua casa estavam Ganesha e Skanda, filhos do Senhor Shiva.

Ravi e Sitara abaixaram-se em sinal de reverência.


Nesse momento, Ganesha foi até eles e disse:
- Não se abaixem, não somos diferentes de vocês... Todos somos filhos de Maha Deva, portanto, vocês são meus irmãos...

Sitara e Ravi levantaram-se admirados sem conseguir falar uma palavra.

Ganesha então disse:
- Sitara, tenho ouvido dizer que você faz o melhor bolo desse mundo, portanto, gostaria de comer um pedaço dele.

Sitara acanhada respondeu:
- Senhor, infelizmente hoje, não tenho nenhum bolo para oferecer.
 
Ganesha rindo, falou:
- Sitara, Senhor é meu pai. Sou apenas filho do Senhor. Não tenho nada para fazer essa noite e gostaria de vê-la fazer esse bolo magnífico. Enquanto isso, seu marido pode mostrar a meu irmão Skanda o ofício de vocês.

Sitara disse de forma alegre:

- Será um prazer fazer um bolo para o filho de Maha Deva. Também será um prazer a meu marido mostrar a seu irmão nosso ofício.

 Então, Sitara e Ravi convidaram Ganesha e Skanda para entrar.

 

Sitara e Ganesha foram para a cozinha enquanto Ravi e Skanda foram á loja de tecidos.

Enquanto Sitara fazia o bolo, Ganesha observava cada detalhe, cada gesto dela.

 

Na loja, Skanda perguntava á Ravi se era difícil fazer tecidos e vendê-los e Ravi explicou a ele cada detalhe do trabalho.


 Após alguns minutos observando Sitara, Ganesha falou:

- Sitara, seu filho terá sorte, pois a mãe dele realmente sabe fazer um bolo...

 

Sitara ao ouvir isso não se virou, apenas começou a chorar...

Ganesha então falou:

- Não chores, pois agora sua felicidade será completa, mas não estrague meu bolo irmã!

 Ganesha sorriu e nada mais falou.

 

Na loja, Skanda pegou um tecido na mão e disse:

- Que tecido macio e lindo. Ele servirá muito bem para você fazer as roupas novas de seu filho...

 

Ravi então respondeu:

- Senhor, eu não tenho filho...

 

Skanda virou-se, olhou para Ravi e disse:

- Ravi, meu irmão. Se eu fosse você já começaria a fazer as roupas para seu filho, pois, em breve, ele estará aqui correndo nessa loja agarrado ás suas pernas...

 

 Ravi ficou emocionado e sentou-se, mas Skanda falou:

- Agora vamos á cozinha, pois o bolo já deve estar pronto e meu irmão não come se não dividir comigo...


Na cozinha, Ganesha conversava com Sitara sobre coisas da vida. Ravi e Skanda chegaram e Ganesha serviu a todos, pedaços do bolo feito por Sitara.

 

Ganesha disse:

- Sitara, que bolo maravilhoso... Tão bom quanto o de minha mãe Maha Devi...

 

Ganesha olhou para Skanda e disse:

- Temos de ir irmão, o Grande Pai nos espera...

 

Ambos levantaram-se, despediram-se do casal e foram saindo, mas pararam na porta quando Skanda falou:

- Onde há harmonia, amor e respeito, meu pai habita.

 

Ganesha falou também:

- Onde há fé, carinho e cumplicidade, minha mãe habita. Fiquem em paz meus irmãos...

 

Ao passar pela porta, ambos Devas desapareceram.

 

Ravi e Sitara abraçaram-se e sorriram. 

A felicidade deles agora era completa.