quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

UMA TIJELA DE ARROZ

Há alguns séculos atrás, na província de Shi Chuan na China, vivia um jovem muito valente e destemido.

Esse jovem era sem dúvidas muito forte e ágil, mas tinha um grave defeito: ele era muito “cabeça quente”... Vivia brigando pelas ruas da província.

O nome desse jovem era: Li Kong.

Li era praticante de Wu Shu (Kung Fu) e por ser filho de um rico comerciante ele praticamente não trabalhava, apenas ficava treinando arte marcial ou caçando brigas pela vizinhança...

Essa situação já começava a atrapalhar os negócios de seu pai.

Um dia, o velho comerciante Lei Kong chamou seu filho para conversarem e resolverem essa situação.

Ao chegar ao gabinete da loja do pai, Li Kong fez uma saudação ao pai e disse:
- Meu amado pai, aqui estou para servi-lo.

O pai questionou-lhe:
- Li, meu filho, que tipo de homem você é e pretende ser?
- Que tipo de homem sai por aí procurando briga e agredindo os outros?

Nesse momento, Li interrompeu o pai e disse:
- Meu pai, nunca agredi inocentes ou pessoas mais fracas. Não procuro brigas e sim, desafios de combate. Nunca estive em brigas, mas estive em lutar para ver quem era melhor no Kung Fu e venci todos...

Lei Kong levantou-se, deu á volta á mesa e falou:
- Então, meu filho, agora sou eu quem te desafia a lutar. Caso eu vença você me dará a palavra que nunca mais lutará em sua vida, mas se eu perder lhe darei toda minha fortuna e você poderá gastar como quiser...

O filho não gostou da idéia e falou:
- Meu pai, jamais o desafiaria... seria falta de respeito com o senhor...

Lei Kong olhou os filhos nos olhos e disse:
- Sou igual a todos os homens que você já desafiou para suas lutas e igual a qualquer homem que você possa ter vencido na vida, portanto, se você diz que me desafiar é me desrespeitar, então você desrespeita todos os homens com quem já lutou e venceu...

Essas palavras fizeram Li Kong tremer da cabeça aos pés.

Foi um choque para o grande lutador ouvir seu pai proferir essas palavras...

Li olhou para seu pai, fez uma saudação e saiu correndo do gabinete.

Sem saber por que, ele estava totalmente destruído por dentro...

As palavras do velho Lei foram as mais duras pancadas que ele havia levado...

Ele agora sentia que todo seu treinamento, seus desafios, na verdade, eram algo que fazia mal a outros. Li apenas não percebeu isto antes, pois seu ego estava sempre cheio pelas vitórias e glórias em ser o “melhor”.

O jovem foi á academia onde treinava perguntar ao Mestre o que estava lhe acontecendo. Chegando lá, não encontrou o Mestre, mas sim, um mendigo com longos cabelos emaranhados e uma gigantesca barba.

O mendigo estava deitado bem no meio da sala de treinamentos.

Li perguntou ao mendigo sobre seu Mestre, mas este, nada falou.

Li perguntou novamente. O mendigo sentou, cruzou as pernas e disse:
- Não sei onde está seu Mestre, mas gostaria de saber:
- Você poderia me dar uma tigela de arroz?

Li, apesar de ainda abalado pelas palavras do pai, respondeu:
- Não posso...
- Estou mais preocupado em encontrar meu Mestre pois preciso tirar algumas dúvidas...

O mendigo fechou os olhos e disse:
- Pelo que vejo, tu és um grande lutador. Que tal fazermos um acordo?
- Eu luto com você. Se tu me venceres, me darás uma tigela de arroz, mas caso eu vença, tu virás comigo andar pelo mundo...

Li achou aquela proposta muito estúpida, mas ele era muito confiante em sua força.
Nesse momento, as palavras de seu pai pararam de ecoar em sua mente e ele só fixou-se no desafiou feito pelo mendigo.

O jovem Li mais uma vez estava sendo levado por seu ego de lutar...

E aceitou o desafio...

O mendigo com uma rapidez enorme levantou e colocou-se em posição de luta.

Inicialmente isso assustou Li, mas sua confiança em si mesmo era muito grande...

Ambos ficaram se fitando. Após alguns segundos iniciaram a luta.

De início, o mendigo mostrava-se um lutador á altura de Li que ficou surpreso e colocou toda sua força na luta que estava bem equilibrada.

Nenhum golpe deixava de ser interceptado.

Até esse ponto, nenhum dos dois havia acertado um golpe.
De repente, o mendigo deu um pulo para trás e olhou para Li.

Li também olhou para o mendigo.

Nesse momento ele viu que os olhos do homem tinha um brilho que ele jamais vira. Esse brilho não era de um lutador, mas sim, de um sábio cheio de compaixão...

Li ficou tomado pelo brilho do rival. Ele sentiu tanta paz e compaixão que quase desistiu de lutar, mas seu ego o fez com que ele voltasse a atacar.

Nesse momento, o mendigo pareceu perder toda sua técnica e começou a receber todos os golpes de Li até que um golpe certeiro o atingiu e ele caiu...

Li, satisfeito, disse:
- Eu venci agora te darei a tigela de arroz que você pediu...

O mendigo levantou-se , ambos saíram da academia e foram a um restaurante onde Li daria a tigela de arroz a seu rival vencido.

No caminho, o mendigo permaneceu em silencio.
Li respeitou isso e nada falou.

Chegando ao restaurante, Li fez um sinal para o mendigo entrar mas ele disse que ficaria ali fora esperando a tigela de arroz.

Li Kong entrou e ordenou para que fizessem a maior tigela de arroz que o dinheiro poderia pagar, afinal, seu rival havia lutado muito bem e merecia ser valorizado.

Li pegou a tigela, saiu e entregou ao rival.

O homem com a tigela na mão agradeceu e partiu em direção á saída da cidade.

Li, apesar de ter vencido a luta, estava curioso sobre o homem que há pouco derrotara e resolveu segui-lo.

Caminhando há certa distância, Li viu o homem sair da cidade e ir em direção a outro mendigo que estava sentado na estrada.

O mendigo então sentou-se de pernas cruzadas frente ao outro homem, pegou um punhado de arroz com as mãos e comeu. Depois, com a mesma mão, ele pegou outra poção e deu na boca de outro mendigo...

Ele fez isso com todo o conteúdo da tigela.
Li, vendo isso, aproximou-se sem fazer barulho para ver o que eles falavam...

Li conseguiu ficar a uma distância boa o bastante e pôde ouvir o mendigo com que ele lutou falar:
- Que essa tigela de arroz pague a dívida kármica que Li Kong tem com você...
- Agora homem, viva uma vida plena, pois esse arroz te dará forças para você voltar a viver...
- Não seja um derrotado em vida, pois sua família depende de você...


- Vá agora para sua casa e aprenda essa última lição:
-Nenhum homem pode derrotar o outro. Somente você mesmo pode se derrotar ou vencer...
Após ouvir essas palavras, o homem parecendo haver renascido, levantou-se e foi para a cidade.

Li viu o rosto do homem e lembrou-se que havia lutado com aquele homem há algum tempo. Também lembrou-se que após vencê-lo, no intuito de alegras seus “fãs”, ele humilhara aquele homem...

Mais uma vez, Li Kong percebeu a gravidade de seus atos e caiu ao chão chorando como uma criança...

Por esse motivo, ele nem viu o mendigo sair andando...
Li ficou lá por muito tempo, mas começou a ouvir gritos ao longe. Eram gritos de mulheres.

Li enxugou as lágrimas e foi ver o que acontecia.

Mais á frente, na estrada, ele viu a seguinte cena:
Mais de dez homens seguravam três garotas de forma violenta.

Falando com eles estava o mendigo, com uma das mãos levantadas próxima ao peito, dizendo o seguinte:
- Irmãos... Soltem as moças e sigam em paz, pois violência só gera violência, dor só traz dor e ódio só cria mais ódio, portanto, sejamos aqui nesse lugar, tomados pela compaixão...
- façamos o melhor para todos nós...

Li, vendo isso pensou: “Essas palavras são inúteis”.

Li correu para ajudar o mendigo, mas algo o prendeu no lugar e ele não conseguiu se mexer. Sequer ele conseguia falar, pois seu corpo estava totalmente paralisado...

Ele, sem poder fazer nada, continuou a olhar o que acontecia.

Viu que os homens riram das palavras do mendigo e o atacaram, mas o mendigo não se mexeu. Ficou na mesma posição.

Os homens tentaram atingi-lo com socos e pauladas mas nada acertava o homem que nem se mexia.

Depois de tanto tentarem, o mendigou voltou a falar:
- Jamais a violência tocará aqueles que não a praticam...
- Jamais um pedaço de madeira ou uma mão poderá violar o escudo da compaixão...

Os homens assustados largaram as moças e fugiram...

As moças ajoelharam-se frente ao mendigo e disseram:
- Oh, grande sábio do dharma, vossa ajuda salvou nossas vidas...
- Oh, grande Mestre da Paz, como poderíamos nós, filhas do desejo, agradecer e pagar tão grande dívida que temos para um liberto...

O mendigo então respondeu:
- Nada há de se pagar ou agradecer...
- Vão, minhas jovens, e pratiquem a compaixão para com todos...

As moças foram embora e o mendigou voltou a caminhar pela estrada.
Somente nesse momento, Li conseguiu soltar-se e sair correndo para falar com ele.

Li estava “abismado”, afinal, aquele homem tinha forças sobrenaturais e facilmente poderia tê-lo derrotado.
- Por que não o fez?

Li corria, mas não conseguia alcançar o mendigo que caminhava bem devagar.
Dessa forma transcorreram horas, até que o mendigo parou, sentou-se embaixo de uma arvora, cruzou as pernas e fechou os olhos...

Li finalmente conseguiu chegar perto dele e perguntou:
- Quem és tu?

O mendigo abriu os olhos e disse:
- Sou uma árvore com raízes velhas e copas verdes...
- Sou a água que serenamente desce o rio para se encontrar com o mar...
- Sou a pedra trabalhada que faz estátuas...
- Sou o mendigo que te faz pensar sobre a vida...

Li não compreendeu essas palavras, mas falou:
- O senhor podia ter me derrotado se tivesse usado o que usou com aqueles homens.
- Porque não usou?

O sábio então falou serenamente:
- Meu irmão...
- Minhas lutas não são contra você...
- Elas são contra mim mesmo...
- A única vitória que desejo é sobre mim mesmo, já você, precisava me vencer, pois esse era o seu desejo...
- O meu desejo era apenas uma tigela de arroz...

Li, envergonhado, falou:
- Mas se tu tivesses vencido eu te daria mais tigelas de arroz que aquela...

O sábio respondeu da seguinte forma:
- Daquela tigela de arroz eu só precisava de alguns grãos...
- Já você... precisa de todas as vitórias possíveis...
- O homem ao qual dei o resto do arroz, só precisava comer o arroz acompanhado de palavras libertadoras...
- Lutei para ter o necessário para nós três. O resto seria egoísmo puro...

Li sentou-se com o sábio e falou:
- Porque o senhor foi em meu nome salvar a vida de um homem que eu desgracei?

O sábio respondeu:
- Li, não foi você quem desgraçou a vida daquele homem. Você só gerou carma ruim por lutar com ele...
- Foi ele perder uma luta para você que o fez cair assim...
- Assim como você, o ego dele estava ligado á força. Ao ser derrotado ele sentiu-se fraco e não quis mais viver. Virou um ser amargurado e saiu pelo mundo lamuriando-se. Ele iria morrer por esse motivo...
- Por esse motivo, o ajudei com o arroz para ele ficar forte e com palavras para que soubesse que a vitória ou derrota são partes da vida...

Li essa questão nos leva a você mais uma vez:
- Se eu tivesse te derrotado, agora você estaria ao lado daquele homem na sarjeta. Enfraquecido e derrotado, pois como ele, seu ego se alimenta de vitórias...
- O dia que você perder seu ego o matará...

Li ficou tão abalado que silenciou-se.

O sábio então proferiu mais essas palavras:
- Li, por muitas vidas seguidas tu tens se melhorado...
- Não faça desse seu esforço até aqui, um ato descartável...
- Adeus Li, nos veremos no futuro...

O mendigo sumiu no ar...

Li estava tão abalado com essas palavras que nem percebeu que o sábio sumira...

Por dias ficou lá.
Um dia, viu passar as três moças que o mendigo ajudou e correu em direção a elas e perguntou se elas sabiam onde encontrá-lo.

Elas disseram para Li que ele deveria subir a mais alta montanha da província. Que lá havia um monastério budista e que o sábio mendigo ficava lá...

Li então fez isso. Chegou á porta do monastério e pediu para entrar.

Os monges budistas o deixaram entrar e ele saiu perguntando aos monges sobre o mendigo. Nenhum deles sabia de quem se tratava.

Um velho monge veio até Li e falou:
- Vá até aquele salão...
- Quem você procura está lá dentro...

Li foi até o salão, mas não encontrou o mendigo e sim, uma gigantesca estátua do Buda Amitabha, o Buda da Luz Infinita...

Ao olhar a estátua ele viu que os olhos dela brilhavam como os olhos do mendigo e que aquela era uma imagem diferente do sábio mendigo.

Então, ele caiu de joelhos ao chão e pela última vez na vida chorou...

Depois disso, ele largou tudo e virou monge.

Deixou de usar o nome Li Kong e passou a se chamar: Yang Ho.

Yang Ho, ao longo de sua vida, dedicou-se a estudar o dharma e a meditação.
Dizem que ele chegou ao estágio de iluminação, virou um grande sábio e por um bom tempo foi o líder daquele monastério.

Na sua liderança, o budismo cresceu muito na região.

Um dia, ele partiu para o norte, mas essa é outra grande história...


“Ninguém nasce sábio. Para se tornar sábio, um homem deve observar a vida e para Yang Ho, sua sabedoria foi disperta por um sábio mendigo que na verdade era um Buda que só queria mostrar a ele que até mesmo uma tigela de arroz pode mudar vidas...”

Esse é o segundo texto contando as histórias do sábio monge budista: Yang Ho.

O primeiro texto: “O Rato” foi postado no blog anteriormente.


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Aniversário do Nothing Stays the Same


9 Anos do Blog Nothing Stays the Same da minha amiga Nô!
Parabens pelos nove anos de rede minha amiga!
E fica aqui minha homenagem ao Blog e a Dona do mesmo,vale apenar conferir esse Blog!
Endereço:http://nothingstaysthesame.blogspot.com/