segunda-feira, 19 de novembro de 2012

As Sete Respostas de Shiva - Parte VI


Após dois dias de viagem, Manish chegou a um povoado.

Na entrada, havia uma grande estátua de Vishnu[1].
Ele saudou o Vasudeva e entrou no povoado.
Lá chegando, procurou uma hospedagem mas não encontrou...
Resolveu então continuar a viagem.

Saindo do povoado, um homem o chamou.
Era um homem de meia idade com trajes de sacerdote. Ele cumprimentou-o.

O homem então falou:
- Gostei muito dos seus cavalos. Gostaria de tê-los.

Manish disse:
- Sábio, infelizmente não posso vender ou dar a você. Preciso muito deles...

O homem então disse:
- Meu jovem, vais negar um pedido de um brâmane que está a serviço do Senhor Vishnu?

Manish desceu do cavalo e disse:
- Nesse momento, tenho certeza que nem o Senhor precisa mais desses cavalos que eu...

O Brâmane ficou nervoso:
- Tu és um infiel. Não respeita os Devas e seus representantes mas tenho uma proposta a você...
- Pelo jeito tu és um Shivaista. Proponho disputarmos os cavalos através da força dos Devas.
- Como sei que Vishnu é mais forte que Shiva, confio na minha aposta...

Manish tinha um dilema: Apesar de não ter mais fé em Shiva ele jamais poderia deixar que o tão amado Deva de seus pais fosse humilhado...

E aceitou a proposta...

Era muito simples a aposta:
Os homens deixariam os cavalos parados, iriam até eles, passariam a mão na cabeça deles, depois se afastariam e os chamariam.

Seria considerado vencedor o homem que atraísse os dois cavalos para perto de si...

Manish pediu ao Maha Deva para ajuda-lo.

Passou a mão na cabeça dos cavalos e ficou longe, depois, o brâmane fez o mesmo.
Ambos já distante, chamaram os cavalos e para desespero de Manish, eles foram para perto de brâmane.

O Brâmane então falou:
- Boa viagem, infiel...mas tome esse cantil como símbolo de benevolência de Vishnu...

Muito nervoso, Manish pegou o cantil, saiu pela estrada xingando Shiva e dizendo:
- Shiva, você nunca gostou de mim, mas dessa vez se deixou humilhar para me deixar sem cavalos.

- Muito obrigado Maha Deva, muito mesmo...

Manish seguiu a estrada.

Mal sabia ele que estava entrando na famosa “Gruta dos Tigres”. 
Quando ele parou para beber água do cantil, ouviu um grande barulho atrás dele. 
Virou-se e um enorme tigre o olhava.

Sem pensar, ele saiu correndo...
O tigre também foi atrás...

Quanto mais ele corria, mais o tigre se aproximava.

Então, ele subiu em uma árvore e o tigre ficou olhando-o.

Manish não sabia que tigres também sobem em árvores...

Quando o tigre começou a subir na árvores, Manish percebeu que estava perdido...e começou a chorar copiosamente, quando ouviu uma voz dizendo:
- Pode parar fera, seu trabalho já está feito...

Ele viu o tigre descer da árvore e recuar.
De repente, frente a ele, pendurado de cabeça para baixo, surgiu um grande macaco branco e falou:

- Não chores Manish...
- Não é esse tigre que vai te matar mas...essa Naja[2] atrás de você vai te picar... 

Manish virou-se, mas era tarde demais. 
Ele tomou o “bote[3]” da Naja que estava no galho junto a ele.
Após ser picado, Manish caiu da árvore.
Tentou levantar-se mas não conseguiu...

Ele estava caindo com o corpo virado para a esquerda enquanto via o tigre sentado e olhando.
Tentou pegar o cantil de água mas o macaco que descera da árvore lhe roubou o cantil.
E pior, a Naja que o picou estava agora enrolada no pescoço do macaco.

O macaco foi até o tigre, passou a mão na cabeça dele, virou-se e falou com Manish:
- Manish, boa viagem...
- Eu estarei aqui esperando a sua volta...
-Em breve suas duas cadelas estarão aqui conosco...

Manish quase sem forças queria xingar o macaco mas desmaiou.

Já desmaiado, estranhou a ver seu corpo no chão.
Viu também o macaco com o tigre e sentiu que algo puxava seu corpo.

Em sua mente apenas um pensamento passava:
- Tenho certeza que estou morto...

De repente ele saiu voando em alta velocidade.
Pôde ver florestas, cidades e vilarejos do alto...
Viu montanhas do Himalaia e desmaiou novamente...

Quando ele acordou, estava em uma estrada coberta de neve em linha reta...
Nessa estrada, dos dois lados estavam yogis.
No final dela, ele podia ver alguém sentado que emitia uma energia tão grande que ele desconfiou ser de um Deva...

Do “nada”, ele foi pego pelos braços...
Quando olhou, eram os filhos de Maha Deva: Ganesha e Skanda.

Amparando-o, Ganesha falou:
- Manish, vamos levantar...
- O Grande Pai o aguarda...
- Vá até ele, meu irmão...

Manish estava, ao mesmo tempo, assustado e feliz.
Finalmente, conheceria Shiva...
 Mas também temia, pois por muitas vezes havia desrespeitado o Maha Deva.

Após levantar-se, seguiu em direção ao pilar de energia. 
Conforme andava, era saudado pelos yogis.
A cada passo que dava em direção a Shiva , parecia que um a um de seus medos, rancores e ódios eram retirados dele...

Finalmente, estava sentindo-se em paz e acompanhado.

Suas tristezas haviam convertidos em alegria.

Ele também viu: Siddhi e Valli.
Finalmente sua visão contemplou Shiva.
Ao lado dele , estava à linda Devi Parvati que ele já conhecera.

Shiva estava de olhos fechados, sentado como um yogi em uma pedra.
Em seu pescoço estava uma Naja viva e Malas.
Sua mão direita segurava o Trishula.
Shiva tinha longos cabelos negros, pele bronzeada e sem dúvidas era o mais lindo ser que Manish já vira.

Ao se aproximar da pedra, Manish ajoelhou-se e fez reverência ao Maha Deva.

O Maha Deva, sem abrir os olhos falou:
- Manish, não sejas hipócrita diante de mim...
- Seus sentimentos para comigo não estão refletidos nesse seu ato de me reverenciar...

- Nenhum ser da criação deve fazer isso na minha frente pois todos são Brahman em potencial...

- todas as coisas que existem e não existem, são formas do Grande Criador, portanto, iguais a mim, a única coisa que exijo a minha frente é sinceridade e respeito...

Manish levantou-se e falou:
- Maha Deva, perdoe meu mau jeito...mas o Senhor que tudo vê sabe que minhas dúvidas sobre o Senhor me abalam o coração.

Não consigo como meus pais, ver o Senhor como um grande amigo ou pai...

- Essas são as palavras sinceras que me vêm à mente...

Nesse momento, Shiva abriu os olhos mas não abriu o terceiro olho que ficava entre as sobrancelhas.
Esse olho ele só abre em ocasiões específicas , e essa, não era uma dessas situações...

Shiva falou:
- Nunca deixe de ser sincero, mesmo que isso de início possa machucar alguém...
- Somente sendo sincero tu irás expor suas ideias, vontades, e, se as pessoas forem sinceras também, sua sinceridade não as vai abalar...

E continuou:
 - Manish, sei que quer me fazer várias perguntas...
- Faça e todas serão respondidas com sinceridade por mim...

Manish, sentindo-se seguro falou:
- Meus pais sempre me falaram que o Senhor era nosso protetor.
- Sempre me falaram de sua benevolência...

- Me disseram também que o Senhor junto com Senhor Vishnu e Senhor Brahman me abençoaram para nascer, mas eu não sinto isso...

- E pior... Várias vezes clamei o Senhor em minha vida e não tive respostas. 
O Senhor nunca me ouviu ou nunca ligou para mim...

- Dessa forma, gostaria de saber por que em certas ocasiões o Senhor não me ajudou.

Quando eu tinha oito anos, houve o problema na loja de meu pai que quase fechou. Por contratar minha amada tia Aditi, A cidade vivia de preconceitos contra os Dalits.

Todos pararam de comprar na loja, então, clamei ao Senhor, mas o Senhor não me ajudou.

No final, foram os Asuras que fizeram o que tanto pedi.

Porque o Senhor não me ajudou naquela época?
Shiva levantou-se, foi até um dos yagis e perguntou-lhe:
Qual é o meu nome, meu filho?

O yogi respondeu:
- Grande Mestre, tu possuis vários nomes.
- O nome que me perguntas é Bhuteswara, ou Senhor dos Bhuts.

Shiva voltou os olhos para Manish e disse:
- Ou seja, Manish, Senhor dos maus espíritos. Em toda hierarquia da criação existem bons e maus espíritos. Dessa forma, existem Asuras bons e Asuras maus, mas todos são parte de Brahman.

- Dessa forma, sejam criaturas más ou boas, eu cuido...

- Como poderíamos abandonar um irmão porque esse errou?

- Se os bons abandonassem os maus, como os maus poderiam se tornar bons?

Se os bons recusarem-se a ajudar os maus é porque não são tão bons assim...

- Os dois Asuras são meus discípulos e filhos.
- Eu os mandei ajudar seu pai Ravi que nunca abandonou as pessoas por serem más...
- Seu pai também ajudou-os mostrando a eles que nem todos os seres humanos viram-se contra eles.
- Naquele dia, tanto seu pai quanto os Asuras aprenderam, e hoje, você também aprende sobre aquela situação...

Sentindo-se mal, Manish abaixou a cabeça...

Shiva falou:
- Levante a cabeça, Manish...
- Nunca é tarde para se aprender...
- Agora, continue a perguntar...

Manish voltou a falar:
- Senhor, na mesma época meu pai ficou doente e implorei ao Senhor que o curasse que não o deixasse sofrer, mas o Senhor nada fez... 
E eu perdi meu amado pai.

- Por que o Senhor deixou meu pai morrer?
- Será que minha fé não era forte o suficiente para merecer o que pedi?

- Diga-me, Maha Deva, porque não ajudou meu pai?

Shiva voltou a sentar-se e falou:
- Manish, a lei de Brahman é a lei de causa e efeito...
- Toda ação tem uma reação...

- Todos os seres abaixo de Brahman estão sob essa lei. Seja eu ou seu pai Ravi. O Karma é muito mal interpretado pelos seres, mas ele é tão positivo quanto negativo...

- Seu pai havia cumprido seu karma e, mais que isso... Ele e sua mãe superaram as expectativas...

- Além de cumprirem seus karmas atingiram o moksha, se libertando da roda de sansara.

- Seu pai devia morrer no dia em que você brigou com aqueles meninos, mas para você entender melhor, vamos lá ver o que aconteceu aquele dia:

Shiva abriu o terceiro olho e Manish se viu em frente à casa de seus pais quando era criança.

Ele então, viu o pai saindo de casa logo cedo e indo ao templo.
Lá chegando, ele foi falar ao irmão Ragi para saber por que o filho dele não queria mais ir ao templo.

Ragi com seu rompante de sábio, doutor dos textos sagrados, contou toda história do dia anterior. 

Falou sobre Manish tocar em Chandra e falou também que ele era um menino de má índole, entre outros insultos para Chandra e Manish...

Nesse momento, Shiva disse:
- Seu pai, estava quase atingindo o Moksha, mas ainda faltava uma pendência kármica. Era justamente com seu tio Ragi.

Em outra vida eles brigaram. Seu tio agrediu e machucou fisicamente seu pai. Isso gerou um karma terrível para ambos.

Nesse momento que vemos agora, ou seu pai quebraria esse círculo karmático ou o fazia girar mais ainda lhe causando vidas futuras...

Agora vejamos o que seu pai fez:

Manish voltou a olhar para seu pai e pôde ouvi-lo falar:
- Irmão, você pode ser doutor dos textos sagrados...
- Você pode ser grande instrutor dos Vedas, mas meu filho Manish sabe mais de ser humano e Divino que você...
- Meu filho, que agora você desdenha, foi mais fiel ás leis de Brahman que você, e, para minha felicidade, meu irmão amado...

 Hoje, vejo que você nada sabe de ser um representante dos Devas na Terra.


- Agora vou sair meu irmão... Mas desejo do fundo do meu coração que os Devas abram seus olhos um dia.
- Sempre te amarei meu irmão, mas hoje, eu me afasto de você...
Não por mim, mas pelo filho que você tanto desdenhou na minha frente...

Ravi saiu do templo e chorou ao longo do caminho...
Shiva fechou o terceiro olho e Manish ficou á sua frente.




[1] Juntamente com Xiva (Shiva) e Brama (Brahma) formam a trimúrti, a trindade hindu, na qual Vixnu é o deus responsável pela manutenção do universo.
[2] Naja é um género de serpentes da família Elapidae (cobras) Francine, natural do Sul da Ásia e da África
[3] Ataque.