Manish
era um bebê muito inteligente.
Aprendeu a
andar rápido e com um ano de idade já falava várias palavras.
Ele adorava
andar pela loja dos pais, mas tinha um detalhe que não escapava aos olhos de
ninguém.
Manish
detestava ficar vestido. Ele gostava de ficar nu. Como seus pais achavam isso
normal, quase sempre o bebê estava sem roupa. Muitos clientes achavam aquilo um
absurdo.
Um dia, uma mulher olhou o menino nu e disse a Sitara:
- Sitara, é uma vergonha seu filho andar nu
pela loja... Porque você e seu marido não o vestem?
Sitara respondeu sorrindo:
- A nudez de
meu filho é menos pecaminosa que os pensamentos que saem da cabeça coberta por
um belo véu da senhora. Meu filho anda nu de roupas, já a senhora, anda coberta
de preconceitos. Retire seus preconceitos e então vestirei meu filho...
A mulher abaixou a cabeça e saiu da loja...
Ravi vendo isso falou:
- Sitara, é melhor vestirmos nosso filho, pois isso pode gerar brigas. Não queremos que nosso filho tenha de passar por situações ruins. Infelizmente, minha esposa amada, o mundo é movido á bobagens como as que ouvimos dessa mulher.
Para o bem
de Manish, vamos vesti-lo!
Sitara, apesar de não gostar de ter de obrigar o filho a se vestir, entendeu que seu
marido só queria preservá-lo e concordou com sua decisão. Conforme Manish
crescia, Ravi e Sitara lhe ensinavam sobre os Devas e o grande amor que os
mesmos tinham pela humanidade.
Manish, desde
muito cedo, mostrava que seria Shivaísta.
Não que seus
pais o obrigassem, mas porque ele mesmo sentia Shiva como seu mestre e amigo.
Todos
os dias ele cantava mantras a Shiva e agradecia ao Maha Deva pela vida. .
O tempo
passava e Ravi estava ficando velho e fraco, não podendo trabalhar tanto.
Ás vezes ele
ficava em casa e Sitara sozinha cuidava da loja, embora isso também estivesse
ficando pesado para ela. Manish, que já estava com seus oito anos, começou a
ajudar os país e rápido eles notaram que ele tinha muito talento para o
comércio.
Mesmo com
sua pouca idade ele falava para os pais sobre mudanças que dariam mais lucros e
também como organizar melhor as coisas na loja.
Ravi
e Sitara decidiram contratar mais uma pessoa para trabalhar na loja
A única pessoa que apareceu para tentar
conseguir o emprego foi uma mulher viúva da “casta dos Dalits” [1]···.
Ravi e Sitara viam o sistema de castas como uma coisa ruim. Após ouvir dos
grandes Devas que todos os seres eram iguais, achavam definitivamente que as
castas deveriam acabar...
Com
esse pensamento eles contrataram a Dalit Aditi.
Aditi era
uma mulher boa e humilde. Era viúva e tinha uma filha linda da mesma idade de
Manish.
O nome da
menina era Chandra[2].
Logo de
cara, Manish e a menina viraram amigos inseparáveis e sempre andavam de mãos
dadas...
O
tempo passou e as coisas ficaram ruins.
Boa parte da
cidade achou que Ravi e Sitara haviam enlouquecido por contratar uma Dalit e
pararam de ir á loja comprar tecidos.
Ravi e sua
esposa não se abalaram e todos os dias abriam a loja mesmo sabendo que ninguém
entraria.
Vendo isso, Aditi foi até Ravi e disse:
- Senhor,
devo ir embora...
- Não quero
que o Senhor e sua esposa sofram por nossa causa...
- Não é
justo o Senhor pagar dessa forma por tentar me ajudar...
Ravi olhou fundo nos olhos de Aditi e disse:
- Minha
irmã... Não é você quem faz essas coisas ruins, e sim, a cegueira de nossos
irmãos que não a veem como igual...
- Não
permitirei que partas, por isso, fique junto a mim e minha família...
- Se
tivermos que fechar a loja por isso, fecharemos juntos minha irmã...
Então,
Ravi abraçou Aditi como se ela também fosse sua filha...
Sitara
que estava próximo ouvindo a conversa junto a Manish, disse ao menino:
- Veja meu filho... Esse é seu pai...
O mais sábio homem que conheci e o mais doce homem da Terra...
- Seja como ele meu filho, pois
seu pai é um exemplo a ser seguido...
Manish
que já amava muito o pai, agora via nele um símbolo...
Um
herói a ser seguido...
Naquela
noite, Manish deitou-se e fez seus mantras. Pediu ao Maha Deva que ajudasse seu
pai que era um homem bom e não devia sofrer por fazer o bem.
No dia
seguinte, ao abrir a loja, Ravi deparou-se com dois homens em frente á loja.
Esses homens
não tinham “cara de coisa boa”, mas Ravi, que não era de ter preconceitos,
falou a eles:
Os senhores precisam de algo?
O homem que tinha a pele mais escura falou:
- Somos
Asuras, os odiados. Os homens nos detestam e nos taxam de inimigos dos Devas.
O outro Asura que tinha uma bela barba negra e porte de rei falou também:
- Ravi,
queremos comprar tecidos, mas por certo tu não venderás para nós, pois somos
Asuras...
Ravi os olhou e disse na maior calma:
- Asuras são
manifestações de Brahman, portanto, são meus irmãos também.
- Os três
grandes Devas me ensinaram pessoalmente, nessa loja, que todos os seres devem ser
amados e respeitados não importando o nome ou título que carreguem... Portanto,
meus irmãos, entrem e comprem o que quiser.
Os dois Asuras riram e falaram juntos:
- Tu és
muito sábio Ravi, compraremos hoje em tua loja...
Manish viu
tudo o que ocorreu e ficou confuso, afinal ele sempre ouvira no templo que os
Asuras eram inimigos de Shiva.
Como ele
pediu ajuda a Shiva, não entendeu porque foram Asuras que vieram ajudar...
Ele sentiu
que Shiva não o tinha ouvido, mas ficou feliz, pois os Asuras compraram
praticamente tudo que havia na loja incluindo o estoque.
Com
isso, seu pai pôde respirar aliviado por um tempo sem precisar fechar a loja.
As pessoas da cidade, ao verem os Asuras compraram na
loja quase tudo e vendo que eles tinham porte pensaram:
-“Apesar de tudo Ravi era um grande homem e
sua loja tinha os melhores tecidos da região”
Com isso,
voltaram a ir á loja para comprar. Dessa forma, Ravi voltou a funcionar muito
bem e ninguém mais ligava se Aditi era Dalit ou não. Todos a tratavam como igual...
Os
dias passaram.
Manish
apesar de ter apenas oito anos, ficou com dúvidas acerca da ajuda dos Asuras.
Essa dúvida
surgiu porque já fazia um ano que Ravi todos os dias mandava Manish para o
templo estudar os textos sagrados com seu irmão mais novo, o brâmane[3]
Ragi.
Ravi, com
isso, queria que seu filho fosse bem mais educado que ele. Também queria que
ele fosse grande conhecedor dos textos sagrados.
Apesar de
achar que estava fazendo o melhor para o filho, essas idas ao templo mais
faziam mal a Manish, do que o bom.
Por um fato bem simples:
- Apesar de
parecer que Ragi amava muito o irmão mais velho, ele nunca concordou com as
atitudes do irmão. Ele sempre falava ao jovem Manish que seu pai agia de forma
incorreta em adoração aos Devas.
Ele dizia que
o pai era um bom homem, mas um péssimo fiel.
Isso,
sempre incomodava o menino, mas ele não contava aos pais, pois não queria que
ele sofresse...
Com o tempo, o jovem Manish se via entre:
O que o pai
fazia e falava e
O que o tio
lhe ensinava
Isso mentalmente lhe fazia muito mal...
Um dia,
saindo do templo, já com nove anos de idade, Manish viu sua amiga amada Chandra,
e foi abraça-la.
Seu tio viu isso, foi até o menino, o puxou e disse:
- Não toque
a impura, meu sobrinho...
(arrastou o
menino para dentro do templo e começou a falar dos Dalits).
Manish ficou muito nervoso e disse:
- Nunca mais
voltarei a esse templo, pois amo Chandra.
- Se os
Devas não gostarem disso, eles não são bons e sim, maus...
O tio, com um olhar matador olhou e sobrinho e lhe falou
algumas palavras que perseguiram Manish por boa parte de sua vida:
- Menino
mau...
- Você será
punido pelos Devas por ser insolente...
- Você é
muito parecido com seu pai, aquele deturpador[4]
de coisas sagradas...
O menino
ficou tão furioso que derrubou o tio no chão, saiu correndo do templo e foi
chorar no meio da floresta...
Lá, ele
ficou até a noite, sozinho, chorando... Até que seus pais que já o procuravam
há horas, o encontraram.
Ravi
perguntou ao filho o que tinha acontecido.
O
menino apenas revelou que não voltaria mais ao templo...
A família
voltou para casa e Manish nada disse.
Ravi disse a
Sitara que iria ao templo falar com Ragi para saber o que aconteceu.
No dia
seguinte, logo cedo, Ravi foi ao templo.
Retornou
duas horas depois, entrou na loja, foi até uma cadeira e sentou-se.
Sitara, ao
ver o marido, percebeu que ele estava passando mal e foi acudi-lo.
Ravi nada
disse sobre o que havia acontecido no templo.
Apenas falou:
- Nenhum de
nós voltará ao templo minha esposa...
- Aquele não
é mais um lugar sagrado...
Sitara
sem saber o que dizer concordou e levou o marido para casa e deixou a loja com
Aditi.
No mesmo
dia, Manish estava sentado em frente á loja dos pais brincando com Chandra
quando cinco garotos vieram e começaram a caçoar de sua amiga.
Entre os
insultos que eles disseram estava coisas como:
Sujinha
Filha de impuros
E ralé
Chandra
começou a chorar copiosamente. Seus lindos olhos castanhos pareciam duas fontes
de dor e tristeza...
Manish, que adorava Chandra, ficou muito nervoso. Levantou-se e gritou com os meninos:
- Vão
embora, seus idiotas...
Manish pegou
pedras no chão e jogou neles. A pedra acertou no rosto do garoto que caiu ao
chão chorando. Ao ver isso, os outros quatro garotos foram para cima de Manish
que ficou parado e não fugiu.
Os
quatro o cercaram e começaram a lhe dar tapas na cara.
Manish
estava muito assustado, pois os garotos além de estar em maior número eram
maiores que ele mesmo. Assim, ele cerrou os punhos e manteve-se firme. Após
levar alguns tapas, Manish muito nervoso tentou reagir, mas foi empurrado e
caiu.
Nesse momento, um dos
garotos foi em direção a Chandra e disse:
- A culpa é
sua Dalit...
- Agora você
também vai apanhar...
Ao ouvir isso, o coração de Manish disparou...
Tomado por uma força enorme, ele rapidamente levantou-se e correu em
direção ao garoto que estava pronto a bater em Chandra.
Com muita habilidade, Manish segurou o braço do garoto que se assustou,
pois a força na mão de Manish era tão grande que ele não conseguia se soltar...
Rapidamente os outros garotos correram para bater em Manish.
Mas... O improvável aconteceu...
Com grande força e agilidade, o pequeno derrubou todos os garotos.
A força que Manish possuía era tão grande que um homem que passava pela
rua viu a situação e tentou para-lo, mas foi derrubado por ele.
Dentro da loja, Ravi ouviu gritos e foi ver o que era.
Ao sair, deparou-se com Manish segurando um dos garotos no ar pelo
pescoço.
Ravi então gritou:
- Solte ele,
meu filho...
Manish, ao
ouvir o pai gritando, soltou o menino que caiu ao chão chorando...
Os outros
meninos então vieram, pegaram-no e fugiram...
Ravi
perguntou o que estava acontecendo e o menino explicou tudo ao pai.
Ravi pegou
Chandra no colo, levou para dentro de casa e falou para Manish entrar também.
Ao consolar a garota, Ravi falou o seguinte á Manish:
- Meu filho,
entendo sua raiva...
- Mas não se
vence a ignorância alheia com gritos e socos...
- Ao fazer
isso, você dá mais motivos para que eles continuem a seguir na cegueira...
- A única
forma de mudar as coisas é lutar para que aprendam através do diálogo e não da
agressão...
Ravi parou de falar por alguns segundos, depois
prosseguiu:
- Meu
filho... Chame sua mãe e depois vá com Chandra ficar com Aditi...
Manish
fez o que pai o ordenou.
Sitara
chegou, viu que os olhos de Ravi estavam vermelhos, cheios de lágrimas e
percebeu que algo estava muito errado.
Ravi então, disse á esposa:
- Meu amor,
meu grande e único amor...
- Meu peito
dói...
- Acho que
está chegando a minha hora de ir para junto dos Devas...
Sitara com muita dor ajoelhou-se, deitou a cabeça sobre
as pernas do marido e disse:
- Não me
fale isso, meu amor...
- O que
seria de mim sem você?
Ravi tentou
falar, mas não conseguiu. E desmaiou.
Sitara
gritou desesperada chamando Aditi e pediu-lhe que chamasse o mestre em
Ayurveda.[5]
Quando
Agnaya chegou, viu o paciente, avaliou todos os aspectos físicos e energéticos.
Depois chamou Sitara e disse:
- Já não
posso fazer mais nada minha amiga...
- Seu marido
está se soltando da forma material para se tornar uno com Atman[6]...
- Deveis
pois, se preparar, pois ele em breve vai desencarnar...
Sitara
ficou desolada.
Manish, que
ouvia tudo escondido atrás das porta, correu para o quintal. Embaixo de uma
árvore, pediu á Shiva com todo coração que não deixasse seu pai sofrer e o
curasse.
Cinco
dias se passaram após a visita de Agnaya.
Ravi, que parecia melhor, levantou-se da cama, mesmo com Sitara tentando impedi-lo, foi até a loja, abraçou Aditi, e disse:
- Minha
filha...cuide bem da loja e de sua filha pois ela será uma pessoa muito
importante na vida de meu filho...
- Saiba que
nunca me arrependi de tê-la como funcionária e amiga...
Depois, saiu da loja e, vendo Manish sentado com Chandra,
falou:
- Crianças,
venha até aqui...
Manish ao ver o pai, correu e abraçou-o.
Chandra deu a mão a Ravi e eles foram passear.
Ravi passeou
com as crianças pelas ruas de Varanasi e um a um dos amigos ele foi
cumprimentando.
Foram até
uma gruta que havia perto da cidade.
Lá, Ravi
disse ás crianças que aquele era um local sagrado pois dentro da caverna o
Senhor Shiva passou anos meditando pela perda de Sati e na mesma caverna,
Parvati, outra forma de Sati, o reconquistou.
Depois, olhou para Manish e disse:
- Filho,
como o Grande Maha Deva, eu tenho um grande e único amor.
- Sitara
sempre foi e será minha esposa amada...
- Filho,
prometa-me que cuidará bem de sua mãe o dia em que não estiver mais com
vocês...
O
menino respondeu que sim, ele cuidaria da mãe.
E disse:
- Pai, o
Senhor nunca deixará de estar aqui, o Senhor melhorou...
Ravi sorriu e falou a Chandra:
- Não sou
seu pai nessa vida mas sinto como se tu fosse minha filha...
- Um dia, tu
realmente serás minha filha, mas, nesse dia ,eu já não estarei mais aqui...
Após essas
palavras, Ravi voltou com o meninos á loja e os deixou com Aditi.
Logo em seguida foi falar com Sitara. Ao vê-la, disse:
- Sitara, a
última coisa que gostaria de fazer na vida era te ver e abraça-la.
Sitara já sabia que seu marido estava se despedindo,
nisso, abraçou-o e disse:
- Sua,
sempre sua, meu amor...
-
Eternamente te amarei...
Essas
foram às últimas palavras que o nobre Ravi ouviu...
O bom homem morreu nos braços de sua amada, como desejava.
Naquele dia,
Varanasi inteira chorou, pois o melhor habitante da cidade partira pra nunca
mais voltar...
[1] Considerada
a casta mais baixa na sociedade de castas indiana
[2]
Significado do nome Chandra: LUA.
[3]
Mais elevada casta da na Índia, são os sacerdotes conhecedores dos textos sagrados
e dos trabalhos em templo.
[4]
Desfigurar; desvirtuar; malsinar.
[6] Atman ou Atma Palavra em Sânscrito
que significa alma ou
sopro vital. Na teosofia
representa a Mônada, o 7º
princípio na constituição setenária do Homem,
o mais elevado princípio do ser humano.
Anderson:
ResponderExcluirParte IV não consegui comentar.
Saudades!
Abraços